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Muay Thai e Defesa Pessoal

Tempo de leitura: 7 min

Escrito por Wagner Zoccoli
em 21 de fevereiro de 2020

Artes Marciais, Esportes de Combate & Defesa Pessoal

É importante não confundirmos Muay Thai e Defesa Pessoal.

Da mesma forma, é importante que todos aprendamos o básico do devido comportamento perante situações de conflito, principalmente se a situação se escalar e se tornar física. O Muay Thai certamente propõe situações em que somos exigidos tanto física quanto mentalmente a nos mantermos calmos e firmes sob a agressão física. Mas pode não ser suficiente.

Artes marciais, esportes de combate e defesa pessoal não significam a mesma coisa. Eles diferem tanto em objetivo quanto em atitude e técnicas.

Há uma tendência do consciente coletivo em associar a ideia de “defesa pessoal” com as artes marciais, sendo que podemos dizer que os esportes de combate surgiram dessas artes.

Esse equívoco se dá pela soma de duas razões:

  1. O que conhecemos como “artes marciais” originou-se do conflito direto em guerras sofridas por diversas civilizações ao longo da história;
  2. A forma com a qual as artes marciais foram apresentadas e popularizadas no ocidente;

Ou seja, misturarmos a realidade histórica com a fantasia e espetacularização do cinema.

Embora técnicas e habilidades marciais presentes nas artes e nos esportes possam ser transferidas ao contexto de defesa pessoal e utilizadas em determinadas situações, cada um possui uma mentalidade e abordagem completamente diferente.

O Caminho Marcial – Artes Marciais

No oriente, a prática de técnicas marciais, antes utilizadas no campo de batalha, evoluiu para o conceito de Caminho Marcial

Com o passar do tempo, as guerras tornavam-se mais raras e, em sociedades cada vez mais “pacíficas”, essa mudança de mentalidade foi inevitável e necessária, especialmente para a preservação das técnicas marciais e suas tradições como parte da cultura dos povos aos quais pertenciam.

Sendo assim, boa parte das artes marciais mantém práticas que visam mais a preservação das tradições comuns à cultura a qual pertencem, a manutenção da saúde e o desenvolvimento pessoal do que a eficiência em combate propriamente dito.

UFC – Esportes de Combate

Isso ficou claro com o surgimento do UFC (Ultimate Fighting Championship).

O advento do UFC, no início dos anos 90,  se deu com o embate entre diferentes artes marciais e estilos. A ideia era arte marcial A contra arte marcial B, o que acarretou no enfrentamento das artes marciais tradicionais (como o Karatê, por exemplo) contra os esportes de combate (como o boxe).

As artes marciais tradicionais não tiveram bom desempenho na competição. Com metodologia arcaica e sem foco na imprevisibilidade inerente ao combate real, elas foram superadas pelos esportes de combate que, por excelência como esportes, são práticas que focam mais em eficiência técnica e funcionalidade prática.

Artes Marciais X Esportes de Combate

Uma vez que um dos objetivos das artes marciais é a manutenção de tradições, elas acabam engessadas, impedidas de evoluir ou evoluindo muito pouco. Já os esportes de combate continuam em constante evolução, uma vez que estão sempre em busca do melhor desempenho. Mais uma vez o UFC é prova disso.

Então isso significa que esportes de combate são melhores que as artes marciais como forma de defesa pessoal?

Sim e não. Explico.

Sim

Do ponto de vista prático – da ação de lutar em si – sim. As chances de um indivíduo estar apto a se defender com eficiência e em tempo mais curto, são consideravelmente maiores para o praticante de esportes de combate.

Isso acontece porque nos esportes de combate o praticante enfrenta pressões e situações mais próximas ao combate real e suas nuances se comparado ao praticante de artes marciais, limitados a uma dinâmica e metodologia de treino estritamente tradicionais.

Não

Não podemos esquecer do fato de que numa luta, nos encontramos sob um ambiente controlado por regras que visam minimizar ao máximo os riscos inerentes ao combate direto entre duas pessoas que, de comum acordo, aceitam se enfrentar.

Portanto, o atleta lutador tem um foco bastante específico. Seu objetivo é enfrentar seu (1)oponente dentro de um espaço limitado, o ringue, sob a supervisão de um juiz, em busca da vitória, seja por pontos, nocaute, submissão ou nocaute técnico.

Defesa Pessoal, Segurança e Sobrevivência

Desafiado por uma situação de ameaça real à integridade física ou à vida, sua ou das pessoas que lhe são próximas e queridas, segurança e sobrevivência são o objetivo principal, não importando o meio pelo qual seja alcançado. Tudo vale para que saiamos sãos e salvos.

Por exemplo, gritar e correr são consideradas formas eficientes de segurança e autodefesa. Isso nos mostra que defesa pessoal não está necessariamente ligada a técnicas de combate corpo-a-corpo.

Atitude adequada no momento certo

Podemos dizer, de forma simplificada, que o devido comportamento de defesa pessoal num cenário real de ameaça à segurança e integridade físicas possui três estágios de evolução:

  1. Atenção Situacional ou Consciência da Situação: significa estar atento aos seus arredores e a pessoas de comportamento suspeito para ser capaz de perceber o surgimento de uma ameaça e evitá-la antes mesmo que aconteça. Por exemplo, ao notar alguém suspeito na rua e decidir atravessar para o outro lado, evitando cruzar com o suspeito. Isso é pura defesa pessoal;
  2. Controle de Escalada: já cientes da situação de conflito estabelecida, o termo em inglês de escalation refere-se a comportamentos que visam a redução, o controle e a resolução da situação conflituosa. Isso pode se dar de forma verbal e/ou gestual com o objetivo de acalmar  o  possível agressor antes que este manifeste a agressão;
  3. Ação: é a tomada de uma ação perante a agressão já em andamento. Percebendo que o agressor vai agir, havendo a chance, podemos correr ou, caso contrário, teremos de lidar com a agressão diretamente e anulá-la.

Atente-se que as técnicas de combate propriamente ditas, propostas a um cenário de defesa pessoal, entram em ação apenas no terceiro estágio. Não só isso, a aplicação de tais técnicas só deve ocorrer em casos em que a ação de fugir não seja uma opção.

Além disso, uma situação de agressão real não conta com regras, é extremamente imprevisível, não tem limite de agressores e, no pior cenário, o agressor (ou agressores) pode estar armado.

O Mito da defesa contra armas e múltiplos oponentes

Existem várias práticas marciais que dizem ser capazes de lidar contra o ataque de armas, desde facas a bastões ou armas de fogo.

Sinto-me responsável em alertar todos os leitores para o perigo que isso apresenta.

O mesmo se aplica à ideia de defesa contra diversos oponentes.

Isso é irreal. Pura fantasia.

Por isso, caso seu desejo ao praticar qualquer arte ou esporte tenha como objetivo a defesa pessoal, saiba que se determinada atividade ofertar algum tipo de técnica de defesa contra armas ou múltiplos oponentes e defender sua funcionalidade, é importantíssimo avaliar tal prática com a devida criticidade.

Caso se depare com uma situação dessa (torcemos para que jamais ocorra), procure apenas manter a calma e não reagir.

Não ponha em risco a sua vida ou de possíveis amigos e familiares bancando o herói e acreditando em poderes mágicos.

McdojoLife é um canal do YouTube e Instagram que tem como objetivo expor o charlatanismo das artes marciais. Vale a pena seguir! Vocês não acreditariam nos absurdos que tem por aí se eu contasse…

Muay Thai é bom para defesa pessoal?

muay thai defesa pessoal

O Muay Boran é a arte marcial fortemente ritualizada e tradicional da Tailândia que deu origem ao que hoje conhecemos como o esporte de combate Muay Thai.

Dito isso, o Muay Thai pode incorporar o melhor dos dois mundos e pode ser aplicado com eficiência para a autodefesa, pois apresenta golpes e técnicas bastante práticas e funcionais, adequadas a lidar com agressões.

Contudo, para que sua eficácia se manifeste nesse contexto,  é preciso que essas técnicas sejam treinadas, praticadas, adaptadas e aprimoradas dentro de um contexto que simule a realidade de uma situação de ameaça.

Isso significa que apenas treinar Muay Thai sob o contexto da academia – batendo em pads e sacos de pancada – ou mesmo em preparação para lutas, pode não ser o suficiente para torná-lo(a) apto(a) a lidar com a complexidade de uma situação real de ameaça à integridade física.

Embora seja melhor que não treinar nada.

Conclusão

Treinar Muay Thai pode ser uma excelente ferramenta de defesa pessoal. Suas técnicas contundentes, como cotoveladas e joelhadas, a possibilidade de projetar um agressor ao chão criando oportunidade de fuga, bem como a postura resiliente que proporciona aos praticantes, podem ser extremamente eficazes.

Mas as ruas não são a academia ou o ringue. O foco, a prática, a mentalidade e a abordagem devem ser outras.

Com isso em mente, você pode praticar o Muay Thai buscando entender a melhor forma de aplicar e adaptar suas técnicas ao contexto da defesa pessoal.

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